Em tempo: uma imagem
Maria Ivone dos Santos | 2008

A pintura de Ricardo Mello nos emudece pelo encantamento que provoca, sentimento este exaltado pelo tempo lento, pela sobreposição de toques de cor das passagens de tons que o artista meticulosamente executou ocupando algumas centenas de horas de labor. Remontando o processo, observamos que Ricardo estabeleceu um conjunto exigente de regras de trabalho sem abdicar do prazer que lhe proporcionou a pintura como prática. Sua obra de fato é complexa sendo constituída pela transposição de uma cena escolhida do arquivo de fotografias realizadas pelo artista numa noite branca, e diante do banho de imagens de vídeos ao qual se submeteu. Podemos apresentar alguns de seus gestos: remexer os fundos de imagens-vídeo descartadas; visionar e fixar pela fotografia algumas cenas; arquivá-las e destacar e projetar uma para pintar. Pintar sim, mas seguindo uma ordem que vai ponto por ponto inserindo as cores diluídas, do magenta e amarelo até às cores mais frias. Não se utiliza nem do branco nem do preto, pois a primeira é a cor de seu suporte e o preto desbotado que vemos é obtido apenas pela saturação das demais.

Diante desta pintura somos convocados ao prazer de uma imagem que se impõe como experiência. A performance que este trabalho proporciona ao expectador é muito distinta da que teríamos diante da imagem-tempo do vídeo. Diante desta pintura o tempo se dilata - esta foi efetivamente a experiência do artista - dando-nos a possibilidade de ressentir a aura e a graça, em tempos de virtualidade, de velocidade e profusão de imagens. Este trabalho demarca uma atitude corajosa e política: o artista ao se deter na necessária meditação da natureza desta imagem, contribui para uma restauração da experiência do ver e do fazer. A pintura é salva das águas pela pintura e por um gesto paradigmático que pensa o vídeo e a fotografia, para remontar um tempo da imagem mediada pela mão do artista. Como numa partida de xadrez, aqui a mão move uma peça em direção a uma experiência estética das mais exigentes: parar e fazer cintilar a imagem na contemporaneidade.