Um pintor da noite.
Luiza Fabiana Neitzke de Carvalho | 2008

O devir da pintura não é nada fácil. Assim como o contemplar tão pouco. Exige um dar-se conta, uma intimidade do olho com o olhado que só surge da cumplicidade e do tempo. O exercício de pintar é um exercício de não fazer concessões, de isolamento e de auto-enfrentamento. O mundo se nega a parar enquanto corre em torno do atelier, mas o que o pintor constrói no seu espaço, obriga que ao menos um fragmento do tempo pause.

Em sua obra Arte e Alma (1960), o teórico René Huyghe discorre sobre o que a noite significa para pintura: Os pintores da plena luz não tem mistérios interiores; Os pintores da alma requerem crepúsculo, noite, mutismo e vazio e imobilidade. A poesia ama a noite, assim como a música se eleva melhor no silêncio; o canto do rouxinol é nocturno e Homero cego.

As imersões pictóricas de Ricardo Mello são noturnas e por isso mesmo, como a própria noite, usam da luz para se tornarem presentes: da luz da TV, que azulada invade a sala, da luz do projetor, que amarelada rasga a escuridão do espaço para desvelar a tela. Das fitas desgastadas dos vídeos renegados, o tempo que antes corria insosso agora reencarna elegante e refinado na superfície fria de metal.

A imagem evanescente do slide fotográfico, que derrete no calor das horas contínuas de projeção é fixada na pintura. Antes escondidos, os interstícios fílmicos agora se mostram. Eles foram retirados dos filmes velhos e cansados para os slides, como que se tivessem saído de um limbo. E depois de um minucioso trabalho, ponto por ponto, eles voltam a cobrir a tela, agora definitivamente. Da tela da TV para tela de pintura, da cor luz para cor pigmento.

Se os filmes carregam consigo ruídos próprios de seu meio, as imersões noturnas de Ricardo Mello são silenciosas, tal como a própria alegoria da pintura representada pelo iconólogo Cesare Ripa. Um silêncio que quase confessa os segredos guardados na escuridão, que somente poderiam nos ser revelados por um pintor da noite.